Adhorno e a ondina
(para Ana Cristina César)

Durante a minha vida
quiseram me fazer crer
que sempre haveria homens
amarrados ao mastro, eleitos,
para os quais as maravilhas
líricas e sutis entoariam
um poderoso e intocável
cântico de sereia…
Caberia, a mim e outros reles,
remar o trabalho, a surdez
e assistir,invejosos, o desesperado
alucinar dos poucos,
invejando-lhes a sorte
ou a riqueza inevitável
em seus idióticos meles.
Envelheci a ponto de ser
o ter o meu imaginário próprio
e rudimentar barco.
Pus-me
a remar sozinha,
sem saber se estava sobre a serpente,
a caravela ou apenas guiada à nau
pelos braços de Caronte.
As sereias não ousaram mais cantar e,
mudas, puseram-se em escamas,
a abrir-me um caminho seleno
dentre as noites-ondas.
Já posso morrer sem cera
ou loucura aos ouvidos:
parto sirena
e serena.

ana

Leave a comment